sexta-feira, abril 07, 2006

Parafernália


Texto: Raquel Gonçalves
Fotos: Arquivo da Parafernália
- Eu sempre quis ter um site ligado a arte, principalmente a poesia. Aí, eu criei o Putz Piz Parafernália em 1996 e fui procurar pessoas que quisessem compartilhar da minha idéia...
Mardônio França

- Conheci o Gleizer e ele me levou até o laboratório de computação do Itaperi pra me apresentar um cara da computação que sacava de poesia & artimanhas em geral e estava formando um grupo junto com os pintores. O cara era o Mardônio, falou sem parar durante uma hora misturando física, matemática, Oswald de Andrade, movimento estudantil, puteiros, bebidas e uma porrada de coisas mais. Era um coquetel molotov explodindo. Fiquei tonto mas sabia que já estava dentro.
Nuno Gonçalves

Pessoas juntas, criatividade fervilhando, pessoas pensantes, os nervos inquietos, pessoas atuantes. Não há definição exata para o que foi a Parafernália, mas durante 4 anos ela existiu e ocupou muitos espaços em Fortaleza. “Nunca conseguimos uma auto-definição coerente, creio que não queríamos isso”, diz Nuno.

No início, um site de poesias. Com o decorrer do tempo, a história foi crescendo e tomando várias formas e linguagens. Primeiramente, a Parafernália não se propunha como um grupo. Eram apenas jovens que já faziam a sua arte e de repente se encontraram juntos, discutindo conceitos poéticos e possibilidades de atividade conjunta. As artes plásticas, as pinturas também ocuparam seu espaço na nova formação que surgia. Como aconteceria essa integração dos membros se havia tanta disparidade entre os integrantes e suas próprias produções? O site agora era apenas mais uma das formas de expressão do já então Parafernália. Gleizer e Mardônio brincavam com as possibilidades computacionais, elaborando poesias animadas e dando vida digital aos desenhos do papel. Pinturas, recitais, zines, permormances também cumpunham o arsenal parafernaliano.

As poesias de Nuno e Mardônio se assemelhavam num detalhe: ambas tinham uma identidade performática muito forte. Denis Diderot, um integrante no mínimo estranho. Apaixonado por Nova Yorque, também gostava de escrever poesias finas. Poesias mansas e tênues foram surgindo e se contrapondo com o lado ácido e rebelde também de outros integrantes.

“A contradição era uma das melhores coisas que a gente pôde viver”, recorda nostalgicamente Mardônio. O grupo se configurava entre grandes contradições. Sem nenhuma sistemática ou metodologia de reunião, se encontravam sempre em bares para discutir conceitos, experimentos, recriar significações, brigarem e beberem muito. A idéia do primeiro zine veio com a idéia de se fazer a primeira festa da Parafernália. Dia 17 de julho de 1997, no Cidadão do Mundo (atual comitê da Luiziane, na Av. da Universidade). “Era uma casa antiga dupex, bem tradicional do Benfica que funcionava como bar. Tinha só umas mesas e uma televisão lá, tocando The Doors, Pink Floyd”, explica Ayla. Foi nesse cenário que aconteceu a primeira festa e que circulou o primeiro zine. Com um público punk-rock, bem undergound, foi nessa primeira festa quando também aconteceram as primeiras performances, as exposições dos quadros pintados, recitais de poesia e a distribuição do zine. Tudo ao mesmo tempo. “Eu chorei quando, ao fim da festa, vi muitos zines espalhados pelo chão”, relembra Ayla.

A partir daí, a Parafernália desbravejou por Fortaleza. Produção, discussão, festas, performances por toda parte. Haviam grandes conflitos internos na Parafernália, não só nos embates conceituais, mas também nas vivencias, nas afinidades de cada um sobre o palco. Nuno e Mardônio, por exemplo. Um, a intensidade em pessoa, vida, ação, emoção, sentimento. Outro, a teorização da vida, das palavras, dos conceitos. O mais fascinante era que eles conseguiam juntar as duas coisas numa só. Levavam ao público nas apresentações um pouco do que foi discutido, conceituado e teorizado nas mesas de bar com muito álcool e muita droga. As divergências internas da mesa de bar era a incoerência real nas apresentações sobre o palco, na rua, onde fosse.

Um conceito que foi utilizado nos trabalhos da Parafernália foi o da antropofagia cibernética. Baseava-se na reutilização de meios e equipamentos para uma reconstrução de uma arte transformadora como um espaço de expressão da arte subversiva e da própria literatura. Conceito pescado na literatura do tempo de Oswald Andrade. Era o que estava se fazendo com as máquinas, os chips, com a tecnologia computacional. A Poesia Parametrizada, que era no mínimo questionável, também foi incorporada não só nos textos, mas nas artes performáticas. Essa tal de poesia parametrizada era uma tentativa de, a partir de um parêntese aberto no meio da palavra se gerar outra possibilidade de leitura de reconstrução da nova palavra e de uma outra interpretação poética. Para Mardônio, nas pinturas ela era utilizada de forma a gerar também duas interpretações da obra de acordo com o ângulo e da distância a ser observado. Já para Ayla, que produzia as pinturas, não atribuía esse conceito a suas produções plásticas. “Eles tinham muita influência do concretismo, eu não gostava muito”, afirma Ayla se referindo à Mardonio. Enfim... inúmeras contradições e concretizações das longas discussões sobre conceitos e mais conceitos.
O espírito libertino da Parafernália extravasava pelos poros dos integrantes. Era como se a Parafernália fosse uma grande miscelânea de vários gritos engasgados que resolveram ruir, todos ao mesmo tempo e no tempo certo. Não existia lugar nem hora quando estavam reunidos a fim de fazer qualquer coisa.

Por volta de 1998, já tendo sido matéria do jornal ‘O Povo’ e tendo sido convidado para se apresentar no Dragão do Mar, sendo reconhecido nos mais diversos espaços culturais de Fortaleza, a Parafernália chegou no ápice do seu sucesso e reconhecimento. “Estávamos ‘pop’ em Fortaleza”, afirma Mardônio. No mesmo ano, foram convidados para se apresentarem no palco alternativo do show da Cássia Eller e Arnaldo Antunes, no Itacaranha Park Hotel. Segundo Mardônio, nenhum dos membros necessitava dos cachês que lhes eram concedidos pelas apresentações. Por isso, eles tinham total liberdade para quebrar regras e protocolos dos contratos de apresentações. E assim faziam com muito prazer: liberdade total, improvisação, pouco ensaio. Sobreviviam sobre o palco.

“Lembro de uma apresentação no Dragão do Mar que foi incrível. O Alisson sendo tatuado sobre o palco, as costas do Nuno sendo pintada na hora pelas meninas (Júlia Manta e Ayla Andrade), eu na performance com poesias intercalando com algumas recitadas pelo Nuno, imóvel”, relembra Mardônio se referindo às apresentações constantes no projeto Roda de Poesia, do Dragão do Mar. “Foi mais ou menos a partir daí que a Parafernália foi coagida a se denominar como grupo”, diz Ayla sobre os constantes convites que começava a surgir pela cidade.

Quando eram convidados para se apresentarem em algum lugar, o principal critério que a Parafernália analisava era se tinha um lugar bacana para todos beberem e, depois da apresentação, curtirem a festa. Eram totalmente desprendidos de valores materiais. Tudo era muito fugaz e autônomo. Tudo meio que se atropelava e de repente, passava. Era vivido o intenso momento da hora e... já foi. Do mesmo jeito rápido e fácil que as coisas aconteciam, elas também se desfaziam e já estava se pensando no novo, na construção do diferente ou não. Horas a Parafernália estava morta, oras ela ressurgia das cinzas com todo gás. E essas inconstâncias acompanharam o grupo até o fim.

Parafernália na mídia, mas o ânimo não era mais o mesmo. A fama não era o objetivo do grupo. E o tesão foi morrendo. “Lembro de uma outra apresentação no Dragão do Mar, tão decadente que, ao final, nos apresentamos dizendo nossos nomes” lembra Mardônio. Uma marca forte da energia pulsante do grupo era nunca dizer os nomes dos integrantes que estavam ali, se apresentando. Era sempre unicamente Parafernália, mas o tempo foi passando e cada qual seguindo seu caminho. “A Parafernália tinha que acabar mesmo, ela já estava muito estigmatizada, ela ia acabar virando os ‘Rollins Stones’(risos), e não era isso que a gente queria” diz Mardônio. “A história foi se desfazendo, a gente não conseguia saber mais o que a Parafernália queria, não conseguia dar uma resposta pra gente mesmo, muito menos pros outros, fomos perdendo nossa identidade. A gente também cansou da própria fórmula que criamos”, diz Ayla se referindo a própria dinâmica de apresentação, sempre com muitos gritos, sem ensaios e chocando o público.

Em 2000, foi celebrado vários enterros da Parafernália, onde bares e mais bares foram cenários da seguinte frase: “Hoje está oficializado a morte da Parafernália.”
Completam-se 10 anos de seu surgimento. Foram 4 anos de Parafernália. Um grupo “inconstante e porra-louca”, como diz Ayla, mas com um espírito mútuo de troca de experiência, conhecimento, discussão, produção e realização.

- No fundo, a Parafernália funcionou como uma terapia para todos nós, foi um tratamento - Mardônio França.
- Qual a importância da existência do grupo para você, Júlia? - Jogar pedra no fundo do rio, turvar a água, movimentar os quadris dos caquéticos, ruborizar até a cachoeira das eras.

3 Comentários

Anonymous Anônimo said...

ficou bem melhor agora Raquel, mas ainda continua com o problema crônico de saber como era o cenário cultural de Fortaleza nesse tempo, bem próximo, mas que já possui grandes diferenças com o de hoje. Pelo menos eu acho...

Continuou faltando a história do microfone no Itacaranha, que poderia dar em forma de causo uma imagem fiel do grupo...

E você tirou a sequência linear de apresentação da galera do grupo, mas parece que não colocou nada no lugar. Os nomes ficaram meio soltos.

4:57 PM  
Anonymous Anônimo said...

e um dia eu foi da parafernalia
um dia quando ainda era alves, o tempo passou nunca mais fiz colagens um dia...
agora sou alving, claudio alving e ando por ai

1:11 PM  
Blogger CLAUDIO ALVING said...

nunca se preecisou tanto de um grupo tão bom e original como o parafernalia

7:59 PM  

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